A cultura tapajônica tem uma influência muito marcante também na reprodução de peças de cerâmica baseada em achados arqueológicos. Pode-se aqui chama-la de Cerâmica de Santarém ou cerâmica dos Tapajó. Esta cerâmica advém de uma cultura, “considerada uma das de maior distribuição na bacia amazônica e, cronologicamente, aceita como proto-histórica” (8). O grupo indígena Tapajó localizava-se na foz e ao longo do afluente da margem direita do Amazonas — o Rio Tapajós.


Curt Nimuendaju nos dá um dos melhores relatos históricos sobre os Tapajó, tecendo considerações sobre esta sociedade tribal. Diz o estudioso alemão que uma das primeiras notícias sobre os Tapajó, datam de 1542, por ocasião da expedição do espanhol Orellana. O capitão português Pedro Teixeira, em 1626, quando chegou ao rio Tapajós, travou contato com esses indígenas que eram numerosos, chegando o historiador Mauricio de Heriarte a falar em 60.000 arcos ou sejam uma população de 240.000 almas, o que parece uma estimativa muito exagerada.

Os Tapajó resistiram ao contato com os conquistadores e missionários até o século XVIII, e a sua cerâmica manteve-se preservada de qualquer aculturação ou influência européia. Frederico Barata com referência a essa não aculturação, comenta o seguinte: “Isso, que é uma das coisas que maior surprêsa causam a quem estuda a arte tapajônica, demonstra a solidez da sua cultura peculiar, com valores tão definidos que nem mesmo o convívio secular com a nossa civilização a pôde desviar da linha tradicional ou de integração na sociedade e no meio próprios” (5).

As origens dos Tapajó são até hoje desconhecidas, pois apesar de serem contemporâneas, somente a sua cerâmica ficou para testemunhar a sua história. Berredo que manteve contato com esses indígenas em 1626, aventa a hipótese de serem oriundos das Índias Castelhanas.

A cerâmica de Santarém tem como características marcante a sua modelagem, que para alguns, é rebuscada que lembra o estilo barroco. Meggers & Evans com base nessa exuberância de adornos, a incluem na Tradição Inciso Ponteada, que tem uma posição cronológica calculada para 1.000 a 1.500 A. D. Esta tradição pelos seus vários elementos “parece resultar de influências oriundas dos altiplanos da Colômbia, difundida para o rio Orinocco até sua foz, alguns de seus tributários e, através do rio Casiquiare, alcançando o Amazonas até a sua foz, sobrevivendo na bacia amazônica até o tempo da conquista” (9).

Frederico Barata nos dá uma interessante descrição interpretativa da cerâmica dos Tapajó: “A louça santarenense é um verdadeiro museu de zoologia. O índio amazônico antes do contato com o branco, quase nunca se inspirava na natureza vegetal. Era como se ela não existisse. Nunca se aproveitou, para sua arte, da estilização de uma flor, de uma folha, de uma árvore, e raramente a forma de um fruto. Tudo para êle, era zoomorfo ou antropomorfo. Nesse jardim zoológico, que é uma cerâmica tapajó — verdadeiro catálogo da fauna regional, como tão bem a definiu Linné — todos os bichos estão representados… Nas suas esculturas ou modelagem antropomorfas os ceramistas de Santarém se destacam dos demais. Mas sobretudo, os Tapajó eram escultores animalistas, pois realmente admiráveis são as cabeças de bichos que modelavam para ornamentação dos vasos, as vezes com alto sentido realístico, observando fielmente a natureza, e outras com liberdades interpretativas, produzindo complicadas e belas estilizações”(5).

Na cerâmica de Santarém encontra-se uma peculiaridade: a não existência de urnas funerárias, pois os Tapajó não enterravam os seus mortos; os ossos que depois restavam dos cadáveres, eram moídos e colocados no vinho, sendo bebido pelos familiares do morto e o resto da tribo.

Os vasos da Cultura Tapajó eram de tamanho pequeno e destacavam-se pela beleza e delicadeza da confecção, não havendo em nenhuma outra cultura amazônica, similar neste tipo de louçaria; segundo Frederico Barata os Tapajó davam a impressão de que fabricavam esses vasos com finalidades estéticas, “como se ali o homem das selvas já sentisse a necessidade de cercar-se de objetos que lhe proporcionassem prazer aos sentidos”(10).

A cerâmica de Santarém salienta-se das demais, particularmente da de Marajó, pela liberdade interpretativa do oleiro, chegando em alguns aspectos — como no caso dos vasos de cariátides e de gargalo — a ser considerada como uma “manifestação inicial de arte plástica livre”(5).

Os vasos chamados de cariátides constituem-se de diversas partes distintas, destacando-se a superior e a inferior, ligadas entre si por três cariátides antropomorfas, sendo que enquanto a parte inferior é uma espécie de suporte sob a forma de carretel, a parte superior toma a forma de uma cuia, cujo tamanho é bem maior que o do suporte.

As decorações do suporte muito embora se assemelhem, jamais se repetem, verificando-se que essa variedade se estende a sua forma. Vale ressaltar também, que não obstante se processar da mesma maneira, muito dificilmente a ornamentação da parte superior da bacia atinge o inferior — invariavelmente lisa — na qual se encaixam as cabeças das cariátides, que são figurações antropomorfas sentadas na borda do suporte e cujo exemplo clássico são as do pequeno balcão das Cariátides, na Grécia.

Já os vasos de gargalo, apresenta uma variada ornamentação e parecem demonstrar uma preocupação desses indígenas em evitar os espaços sem ornamentação; esses vasos são de dois tipos: o primeiro se sobressai pela configuração de lâmpada votiva em virtude das duas asas alongadas para os lados e constituídas por cabeças de jacaré, ou ainda, que menos freqüentemente e dificilmente reconhecíveis, por cabeças de aves.

Se desprovido de toda e qualquer ornamentação, o corpo central do vaso, toma o formato de um fruto com quatro ou mais gomos, realçando-se sobre cada um, apêndices ornamentais que, conforme Frederico Barata, “vis-à-vis, são infalivelmente duas rãs e as duas grandes asas estilizadas laterais”(10).

Na arte tapajônica, encontra-se também estatuetas, que ao contrário das marajoaras, caracterizam-se por uma grande variedade de formas e principalmente pelo realismo da modelagem; outro aspecto a considerar, é a significativa ocorrência de estatuetas tapajônicas, sob forma zoomorfa, dificilmente encontrada na cerâmica dos indígenas que habitaram a Ilha de Marajó.

Além dos vasos, deve-se evidenciar na louçaria de Santarém ou Tapajônica, dois objetos: os cachimbos e o muiraquitã.

Com relação aos cachimbos, observa-se as seguintes peculiaridades: a introdução do fumo na Amazônia veio com o conquistador europeu e este objeto, seja na forma, seja no estilo ornamental, indica, como ressalta Fraderico Barata: “…uma introdução na área, de cultura alheia que se impôs à dos Tapajó, possivelmente levada pelos brancos conquistadores…”(10).

Não se pode falar em arte tapajônica, sem realçar o muiraquitã.

Os muiraquitãs têm fascinado os homens há centenas de anos. Segundo o estudioso paraense Frederico Barata a palavra muiraquitã “é vocábulo adaptado do tupi ou da língua geral” (10), e a sua grafia atual teve surgimento no século XIX, pois a palavra sofreu corruptelas e distorções por missionários e cientistas desde o século XVIII.

Quanto ao significado da palavra, as controvérsias permanecem até hoje, pois não havendo uma grafia original, o significado atual do termo muiraquitã, perde o seu valor. Existem porém tentativas de tradução como: nó de pau, pedras verdes do rio, pedra de chefe, botão de gente e pedra de gente.

As dúvidas permanecem quando pretende-se estabelecer o material ou materiais com que foram manufaturados os muiraquitãs. Falam “de um barro verde e mole que adquirisse consistência ao contacto com o ar ou que mulheres amazonas os fôssem buscar ao fundo de um lago misterioso para ofertá-los aos amantes ocasionais” (9). Existem muiraquitãs de barro, de pedra e de concha, apresentando colorações variadas — verde, amarela, cinza, vermelha e preta — porém destacam-se os de pedra-verde ou mineral verde (jadeite ou nefrite).

Frederico Barata defende a tese de que outros artefatos de pedra-verde com formas cilíndricas ou laminares tidos como muiraquitãs são contas para serem usadas em colares, pois originalmente, o muiraquitã tinha a “…forma batraquiana, caracterizadas por furos duplos laterais na face posterior, que denotam um uso especial e isolado do objeto”(11).

O uso do muiraquitã com ornamento pessoal é discutível; há referências do seu uso na testa, pendente no peito como um colar, pendurado no nariz, etc.

Um historiador do século XVII — Mauricio de Heriarte, que visitou os Tapajó, destaca a estima que os indígenas devotam aos muiraquitãs e o seu valor como objeto precioso, pois eram utilizados como elemento de troca e de dote matrimonial.

O muiraquitã chegou aos nossos dias envolto por um caráter místico, sendo usado por diversas pessoas como um amuleto; tal fato certamente advém da estranha sedução que os indígenas tinham por objetos de pedra-verde, em decorrência da cor verde e não do mineral ou da forma dos artefatos.

Há grande divergências sobre a origem dos muiraquitãs. São encontrados em várias partes do Brasil, principalmente no Norte e no Nordeste, achando porém os estudiosos que tal fato se dá em decorrência de um comércio entre tribos indígenas e entre civilizados.

Acha Frederico Barata que os Tapajó eram “apenas portadores das pedra-verdes ou muiraquitãs e não os seus fabricantes” (11). Barbosa Rodrigues defende a tese de que os muiraquitãs, são originários da Ásia e foram introduzidos na América por grupos de emigrantes. Eduardo Galvão afirma que: “As conclusões mais realistas dos arqueólogos, indicam tratar-se o muiraquitã de um produto artesanal dos grupos dessa área” (entre o rio Tapajós e o rio Xingu) (4).

Enquanto a ciência não determinar positivamente as suas origens, fica o mito dos muiraquitãs e toda a atração que este pequeno objeto exerce sobre as pessoas…
(orm.com.br/tvliberal)